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sexta-feira, 22 de julho de 2005

Ferreira Torres perdoou coimas em troca da afixação de cartazes

Por José Augusto Moreira, no Público:
Munícipe do Marco de Canavezes colocou na sua casa propaganda do presidente da câmara para não pagar taxas

O presidente da Câmara do Marco de Canavezes perdoou coimas em troca da afixação de cartazes da sua campanha eleitoral, beneficiou empreiteiros locais em concursos de obras e rasgou a participação de um funcionário municipal objecto de processo disciplinar.
Estes factos foram dados como provados em recente sentença do Tribunal de Marco de Canavezes, na qual consta também que há um grupo de empreiteiros a quem são normalmente adjudicadas as obras da câmara presidida por Avelino Ferreira Torres, os quais dizem que têm que pagar em dinheiro ao presidente para poder construir no concelho.
No mesmo processo ficou ainda provado que pelo menos um desses construtores foi sócio-fantasma do autarca numa empresa de construção civil, tendo passado uma procuração com poderes irrevogáveis, e que Ferreira Torres lhe pediu também para colocar em seu nome umas bombas de gasolina, as quais eram igualmente propriedade do autarca.
O processo em causa resultou de uma queixa do próprio autarca contra um grupo de três munícipes, que acusava de difamação pelas afirmações que fizeram durante um programa da RTP. Entrevistados em Janeiro de 2002, no programa Loja do Cidadão, que incluía uma reportagem intitulada O Dono do Marco, Gil Mendes, João Magalhães e António Vieira, fizeram referência à anómala situação política vivida no concelho, consequência da presidência de Ferreira Torres. Recorde-se, a propósito, que Gil Mendes foi em tempos (Janeiro de 1999) agredido pelo presidente da câmara no interior do seu gabinete, tendo Ferreira Torres sido já condenado pela prática de tais actos.
Os três acusados integram também um grupo de cidadãos que por várias vezes tem denunciado irregularidades no funcionamento da Câmara de Marco de Canavezes, factos que procuraram agora provar, para se defenderem da acusação de Ferreira Torres. Com excepção de António Vieira - que foi condenado numa multa de 800 euros por ter afirmado "do tribunal não espero nada, porque enquanto estiver aqui o Avelino Ferreira Torres, isto não funciona" -, o tribunal considerou que tinha sido feita prova dos factos denunciados, tendo, por isso, absolvido Gil Mendes e João Magalhães.

Procurador pediu certidões
Apesar de a prova ter sido feita em função da acusação, registe-se que o procurador da República acabou por pedir certidão de vários dos depoimentos, aparentemente porque se reconduzem a matérias que estão actualmente a ser investigadas pela Polícia Judiciária (PJ). Como tem sido noticiado, Ferreira Torres está a ser investigado por suspeitas de várias irregularidades na gestão do município, tendo a PJ desencadeado no início de Junho uma vasta operação de buscas na autarquia, escritórios de construtores civis e nas residências de Ferreira Torres e de alguns dos seus colaboradores mais próximos.
Em contas bancárias tituladas tanto pelo seu vice-presidente, Lindorfo Costa, como pela chefe de gabinete, Assunção Aguiar, as autoridades terão detectado depósitos de cerca de 4,5 milhões de euros. Tais movimentos provinham directamente de cheques emitidos pelos cofres da autarquia a empreiteiros locais, que os endossavam depois àqueles colaboradores do autarca. Pelo menos uma dessas contas, titulada por Assunção Aguiar, tem sido usada para despesas da campanha eleitoral em Amarante - onde Ferreira Torres concorre como independente -, designadamente para alguns "contributos" com que o candidato tem brindado várias associações locais.
São situações como as que são descritas na sentença que estarão a ser escalpelizadas pelos investigadores da PJ, designadamente as ligações aos empreiteiros locais e a forma como estes canalizam "donativos" para aquelas contas e as concretas ligações de Ferreira Torres a algumas empresas, para as quais o autarca solicita que "emprestem" o nome protegendo-se com uma procuração com poderes irrevogáveis.
Este tipo de situações foram relatadas no julgamento por testemunhas ligadas ao próprio Ferreira Torres, como foi o caso do construtor civil Abílio Ferraz - que "emprestou" o nome para uma bombas de gasolina e para uma sociedade de construção civil - ou do ex-vereador José Carlos Meneses, que descreveu a existência de "relacionamentos especiais entre a câmara e determinados empreiteiros" e deixou dúvidas sobre o processo de adjudicação da obre de construção do edifício dos bombeiros.


"Lacraus" podem valer 20 mil contos

A proverbial truculência de Avelino Ferreira Torres, que exibe mesmo perante os juízes, pode acabar por lhe custar caro. Confrontado pelo advogado de defesa durante o julgamento com os diversos insultos que costumava dirigir aos acusados, reconheceu a generalidade: "Lacraus é que nunca chamei, e dou 20 mil contos a quem for capaz de provar que eu disse isso." Para a azar do autarca, a prova apresentada no processo incluía a gravação de uma entrevista sua a uma rádio local, onde refere "essa oposição maquiavélica que é uma salada de grelos e lacraus e de cobras e de tudo". Perante a promessa pública de Ferreira Torres, efectuada em julgamento, Vigário da Silva, o advogado de defesa pondera remeter-lhe agora uma carta a solicitar o correspondente pagamento, verba que poderá ser destinada a obras na freguesia de Ariz. A oposição tem dominado nas eleições para a freguesia - Gil Mendes fazia parte do executivo local, resultante de uma lista independente - e Ferreira Torres tinha prometido "cortar todas as verbas se o CDS não ganhar".

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