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domingo, 22 de maio de 2005

Tribunal declara inconstitucional mais um decreto de Jardim sobre saúde

Por TOLENTINO DE NÓBREGA

Acórdão impede governo regional de cobrar a familiares de idosos o internamento hospitalar após alta clínica

O Tribunal Constitucional (TC) decidiu declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de um decreto do governo da Madeira que visava dissuadir o abandono de idosos e pessoas dependentes nos hospitais da região após a emissão de alta clínica, obrigando os seus familiares ao pagamento da elevada taxa de internamento.
No acórdão nº 246/2005 - proferido a 10 de Maio, sem qualquer voto vencido, no processo de fiscalização abstracta da inconstitucionalidade e ilegalidade dos artigos 4º a 8 do decreto Legislativo Regional nº 2/2003/m, de 24 de Fevereiro, requerido por deputados do PS à Assembleia da República - o Tribunal Constitucional conclui pela inexistência de interesse específico regional que permitisse à Assembleia Legislativa da Madeira legislar sobre a permanência hospitalar após alta clínica.
Nesta deliberação, a primeira tomada após a entrada em vigor da sexta revisão constitucional que alargou os poderes legislativos das regiões autónomas, o TC considera que estes continuam a enquadrar-se pelos fundamentos da autonomia consagrada na Constituição e a restringir-se ao âmbito regional e às matérias consagradas no respectivo estatuto político-administrativo. No entanto, frisa, subsiste ainda como requisito de exercício da competência legislativa das regiões autónomas o respeito da reserva de competência legislativa dos órgãos de soberania, adiantando que no que concerne à reserva absoluta de competência da Assembleia da República "não se registaram alterações, estando esta totalmente vedada às regiões autónomas".
Relativamente ao interesse específico da Região em legislar em matéria de saúde e segurança social, interesse específico que constituía antes da última revisão constitucional, um dos pressupostos ou requisitos da competência legislativa regional, o Tribunal Constitucional adverte que "os diplomas legislativos regionais que ultrapassem aqueles limites, quer invadindo a competência própria dos órgãos de soberania quer tratando matérias despromovidas de interesse específico, violam as regras de competência".
As normas chumbadas, lembra ainda o TC, visavam regular, essencialmente, a situação de permanência de utentes em meio hospitalar após a alta clínica, instituindo um regime que pretendia desincentivar e onerar a utilização dos serviços para fins diversos daqueles para que foram criados. Embora não constassem expressamente do elenco constitucional das matérias de interesse específico regional, "a simples circunstância de a saúde e a segurança social pertencerem ao elenco das matérias que o Estatuto da Madeira classifica como de ´interesse regional´ não é, por si só, suficiente para se dar como preenchido o requisito da existência de interesse específico regional".
"Decisivo é que essas matérias respeitem exclusivamente à região ou que nela exijam tratamento especial por aí assumirem peculiar configuração", advoga o tribunal ao concluir que o problema da permanência dos utentes em estabelecimento hospitalar após alta clínica não respeita apenas à Madeira, nem nela assume particular configuração, como argumentava o governo de Jardim na nota preambular.
Dados demográficos e respeitantes à distribuição do equipamento hospitalar pelo território nacional, citados pelo tribunal, permitem concluir que a questão não assume na Madeira contornos particularmente diferentes do resto do país. De facto, enquanto que nesta região 13,45 por cento da população se enquadra no escalão etário com mais de 65 anos, a percentagem nacional é de 16,67, sendo, pelo menos por enquanto, os índices de envelhecimento e de dependência da Madeira menos preocupantes do que no continente. Por outro lado, este arquipélago dispõe comparativamente, de mais camas hospitalares do que as restantes regiões, com uma média de 7,5 camas por 1.000 habitantes, enquanto a média nacional não passa dos 4,2.
Discutido e aprovado em Janeiro de 2003, o decreto chumbado pelo TC recebeu os votos favoráveis do PSD, as abstenções do PP e da UDP e contra do PS e PCP, tendo sido de imediato mandado publicar pelo ministro da República. Depois de ser obrigada a revogar outro despacho que onerava as mensalidades em lares para idosos, a secretária regional dos Assuntos Sociais defendeu aquela proposta do governo justificando que havia cerca de 200 idosos em "alta problemática".
Se o diploma não fosse declarado inconstitucional, os familiares dos utentes - não só o cônjuge, descendentes e ascendentes, como também as pessoas com quem vivam em situação de união de facto - seriam obrigados a pagar o internamento hospitalar, a um preço diferente daquele que é imputado ao próprio beneficiário, calculado em função do rendimento desses familiares, dando azo a que esse internamento passasse e ter preços discriminatórios. Apesar de os utentes que permanecem no hospital após a alta serem, em regra, pessoas sem condições de protecção socio-económica e de acolhimento, o diploma regional não previa a gratuitidade do internamento nos casos de manifesta incapacidade económica do utente e da família.

In Público