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sábado, 21 de maio de 2005

Supremo Tribunal caminha para o colapso total

Por Licínio Lima

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, vai entrar em colapso a breve prazo, perdendo a capacidade para responder aos recursos judiciais. O aviso é do próprio Ministério da Justiça (MJ), através de um recente estudo do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (GPLP), onde se aconselha a uma "restrição efectiva do direito de recurso para aquele tribunal, erigindo-o como instância excepcional de avaliação".

"É justo reconhecer-se que, a manter-se a tendência crescente observada na evolução de recursos entrados no STJ de 1990 a 2003, este tribunal poderá deparar-se, a curto/médio prazo, com um aumento do volume de trabalho para o qual não se encontra dimensionado", lê- se no relatório do GPLP intitulado "Avaliação do sistema de recursos em processo civil e em processo penal", divulgado na quarta-feira.

O número de recursos entrados no STJ cresce continuamente desde 1980. Em 1984, por exemplo, entraram 1807 processos, enquanto que 2003 se alcançou o número de 4456, tendo diminuído ligeiramente no ano passado. O número de juízes-conselheiros, por seu lado, não tem aumentado na mesma proporção. Neste momento estão colocados no STJ 60 magistrados, apenas mais 10 do que em 1990.

Segundo o relatório do GPLP, a preocupação está, sobretudo, na tendência de concentração das matérias dos recursos cíveis, que representam mais de 60% dos processos entrados, com uma clara predominância das acções relativas a dívidas civis e comerciais. Estas somam mais de 40%, tendo atingido quase 56% em 2001.

Os dados de 2003 revelam que 33 % dos recursos dizem respeito a dívidas comerciais, enquanto 17% a dívidas civis. As restantes matérias mais recorridas são praticamente coincidentes com as dos tribunais das relações acidentes de viação (8%), relações de trabalho (5%), despejos (3%). No entanto, o aumento de recursos cíveis não é directamente proporcional ao aumento da litigância na 1.ª instância. Nos tribunais das relações e no STJ, o número de recursos cíveis em 2004 é 1,8 vezes superior aos entrados em 1990, enquanto na 1.ª instância esta relação é de 2,5.

No que respeita a processos-crime, os recursos relativos ao tráfico de droga representam 30% do total de trabalho dos juízes conselheiros, seguindo-se os homicídios - 12%. O abuso sexual de crianças e menores representa 3%, acima dos recursos por ofensa física.

Conselhos. A continuar esta tendência crescente, o STJ vai entrar em colapso. Por isso, urge ponderar sobre uma intervenção legislativa clarificadora da delimitação dos recursos. "De acordo com a doutrina maioritária, tal limitação permitirá libertar aquele órgão superior para a sua tarefa fundamental e prioritária a uniformização da jurisprudência", lê-se no relatório da GPLP.

O funcionamento do STJ como um terceiro grau de jurisdição é, assim, apontado como "um luxo" do sistema de recursos português. "O que sucede hoje é que também as relações podem funcionar, e funcionam efectivamente, como tribunais de revista, conhecendo a matéria de direito. Tal significa, na prática, que existe uma dupla revista", diz o GPLP, propondo a restrição do acesso ao STJ por duas vias a elevação da alçada dos tribunais das relações, actualmente de 14 963,94 euros, e a instituição de mecanismos de rejeição de recursos, entre os quais a admissão discricionária.

O relatório do GPLP vai estar em debate público até ao final do ano, com vista à alteração da lei, informou o MJ.
In DN