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domingo, 22 de maio de 2005

Dívidas à Segurança Social travam pensões na Justiça

Ministério reteve 200 milhões de euros de descontos dos trabalhadores judiciais
Caixa Geral de Aposentações recusou aprovar qualquer reforma nos últimos dois anos


Por João Luís Campos
O Ministério da Justiça deve cerca de 200 milhões de euros à Caixa Geral de Aposentações (CGA) que, por isso, nos dois últimos anos não aprovou qualquer reforma de funcionários judiciais. Uma resposta à retenção, pelo Ministério, dos descontos daqueles trabalhadores durante dois a três anos. Assim, mensalmente, o Ministério continua a pagar os vencimentos a cerca de mil funcionários que já não estão a trabalhar e que deviam estar a receber normalmente da Caixa Geral de Aposentações. Um número que aumenta todos os meses, à medida que os trabalhadores vão alcançando a idade da reforma.
Como estamos perante pessoas em fim de carreira, os vencimentos são elevados pelo que uma fatia substancial do orçamento da Direcção-Geral da Administração da Justiça segue, todos os meses, para pessoas desligadas do serviço. Mais, um funcionário, em caso de pensão por invalidez, que necessite de recorrer ao seu seguro não o consegue fazer porque não tem como provar que a sua reforma está oficializada.
Parte deste caso veio a público no início de 2004 mas na altura apenas se falava da retenção dos descontos de 600 funcionários "eventuais" que ainda não estavam integrados nos quadros do ministério. Celeste Cardona, então ministra da Justiça, chegou a ir à Assembleia da República onde admitiu que "ocorreram erros de procedimento administrativo", recusando a prática de um crime. O ministério admitiu, então, que chegou a fazer a entrega desses valores à Segurança Social (e não à CGA), mas afinal sabe-se agora que a dimensão da dívida ultrapassava, em muito, a verba relativa a esses 600 funcionários, e que ultrapassa mesmo os 200 milhões de euros.
Ao JN, fontes dos dois gabinetes ministeriais em causa (Justiça e Finanças) confirmaram a situação, "herdada", e adiantaram que a questão está a ser "estudada". O ministro da Justiça, Alberto Costa, terá sido surpreendido com uma situação que se arrasta há quase dois anos e que agora estará a ser negociada, sendo certo que o elevado valor em causa é, obviamente, o principal problema.
"Calculamos que existam já entre 800 e mil pessoas nessa situação", explica, ao JN, António Marçal, secretário-geral do Sindicato dos Funcionários Judiciais. As pessoas são informadas pelos serviços que se encontram "desligadas" mas "continuam a receber pela mesma entidade". Algo que acontecerá há pelo menos dois anos, já que são vários os que foram desligados em 2003 e que ainda hoje não viram publicada em Diário da República a aposentação.
Além dos casos relacionados com os seguros (nas reformas por invalidez) o que mais preocupa Marçal é a prova que "não há um verdadeiro cuidado com as contas públicas. Diz-se que os custos com pessoal são elevados e boa parte do orçamento é para pessoas desligadas".
In JN


"Um péssimo exemplo de abuso de confiança fiscal"

Independentemente do valor em dívida, Saldanha Sanches entende que se está perante um crime de abuso de confiança fiscal. "As quantias não foram entregues, a questão não tem grande discussão", refere aquele fiscalista, defendendo que o facto de se tratar, eventualmente, de uma acção de um membro do Governo, o cargo não o iliba da responsabilidade penal.
Na opinião de Saldanha Sanches, "alguém deu origem a isso e essa pessoa deve responder por isso". Aliás, se se tratasse de um empresário que retivesse as verbas, o caso teria de ser imediatamente comunicado ao Ministério Público. É uma acção ilegal que configura a prática de abuso de confiança fiscal e que pode ser punida, segundo o Regime Geral das Infracções Tributárias, com de um a cinco anos de prisão.
Neste caso concreto - que desde o início, quando não se sabia da verdadeira dimensão da dívida, mereceu a censura de Saldanha Sanches -, terá sido aberto um inquérito por parte da Procuradoria Geral da República que, entretanto, terá sido arquivado. Um caso "inacreditável", afirma aquele fiscalista, porquanto "não se pode investigar alguém de quem se depende funcionalmente". Saldanha Sanches entende que o único caminho a seguir na altura era a demissão do ministro em causa seguindo-se uma investigação a toda a situação.
O facto do problema continuar por resolver entre os ministérios da Justiça e das Finanças é "preocupante" politicamente, mas a maior gravidade, diz Saldanha Sanches, "é o péssimo exemplo de abuso de confiança fiscal" dado pelo Estado.
A decisão da Caixa Geral de Aposentações, termina aquele fiscalista, "é uma retaliação de quem está desesperado com a dívida". Caso o Ministério da Justiça não estivesse, como está, a pagar os ordenados aos "desligados", estes podiam avançar com um processo, mas neste caso, admite, acabam por ficar em silêncio "até com medo que fiquem sem receber". JLC
In
JN