... para a área específica da Justiça
II. Justiça
1. A justiça ao serviço do desenvolvimento económico e social
O objectivo do Governo para a legislatura é garantir a efectividade dos direitos e deveres e tornar o sistema de justiça um factor de desenvolvimento económico e social.
Para alcançar esse objectivo, é necessário qualificar a resposta judicial, promover a eliminação da burocracia e de actos inúteis, assegurar a eficácia no combate ao crime e na Justiça penal, responsabilizar o Estado e os demais entes públicos, progredir na desjudicialização e resolução alternativa de litígios, reforçar a cooperação internacional e impulsionar a abertura do sistema à inovação tecnológica.
2. Eliminar a burocracia e os actos inúteis
Uma parte substancial dos meios afectos aos serviços da Justiça continua a praticar actos inúteis ou dispensáveis. Os cidadãos e as empresas não podem ser onerados com imposições burocráticas que nada acrescentam à qualidade do serviço e representam um encargo financeiro para o Estado, quando apenas persistem por tradição ou inércia.
Para desonerar os cidadãos destas imposições burocráticas, o Governo propõe-se criar o cartão comum do cidadão, reunindo as informações de identificação civil, do contribuinte, do utente de saúde, do eleitor e todas as demais que possam ser associadas nos termos constitucionais; adoptar o documento único automóvel, reunindo o registo automóvel e as informações da Direcção-Geral de Viação; e criar a informação predial única, reconciliando e condensando sistematicamente a realidade factual da propriedade imobiliária com o registo predial, as inscrições matriciais e as informações cadastrais.
No que respeita às empresas, serão reduzidos os actos e diligências para a sua criação jurídica, possibilitando que ela se concretize em apenas um dia e pondo à disposição dos interessados empresas pré-constituídas, sendo instituída também a informação empresarial unificada, reunindo, reconciliando e mantendo actualizado um conjunto informativo único, completo, desmaterializado e universalmente acessível.
No interesse conjunto dos cidadãos e das empresas, serão simplificados os controlos de natureza administrativa, eliminando-se actos e práticas registrais e notariais que não importem um valor acrescentado e dificultem a vida do cidadão e da empresa (como sucede com a sistemática duplicação de controlos notariais e registrais). Serão ainda extintas as circunscrições e competências territoriais, nomeadamente em matéria de registos, tendo em conta a desmaterialização e a informatização de procedimentos.
3. Promover a desjudicialização e a resolução alternativa de litígios
O Governo entende que uma resposta judicial eficaz só pode ser assegurada se os tribunais estiverem reservados para a actividade de julgar, sendo libertados de outras responsabilidades e de actividades burocráticas. Além disso, assume-se uma aposta nos meios alternativos de resolução de litígios enquanto forma especialmente vocacionada para uma justiça mais próxima do cidadão, que possa evitar um acesso generalizado e, por vezes, injustificado aos tribunais do Estado.
Nesta linha, será desencadeado um movimento de desjudicialização, retirando da esfera de competência dos tribunais os actos e procedimentos que possam ser eliminados ou transferidos para outras entidades e salvaguardando o núcleo essencial da função jurisdicional.
Assim, será desenvolvida e reforçada a rede dos julgados de paz, ponderando-se o alargamento das suas competências a novas áreas. Será fomentada a criação de centros de arbitragem, mediação e conciliação em parceria com entidades públicas e privadas, numa lógica de repartição de custos e responsabilidades, incluindo centros de arbitragem em matéria administrativa, como forma de resolução de conflitos alternativa aos tribunais administrativos. Para garantir o sucesso destas medidas, promover-se-á a formação de mediadores de acordo com um elevado padrão de exigência.
No mesmo sentido, em matéria penal, serão descriminalizadas condutas cuja penalização esteja desactualizada, transformando-se, designadamente, as contravenções e transgressões ainda em vigor em contra-ordenações, e serão desenvolvidas formas de mediação e conciliação.
4. A inovação tecnológica na Justiça
O Governo pretende que a Justiça e os serviços por esta prestados aos cidadãos e às empresas sejam cada vez mais qualificados, cómodos e céleres. Uma adopção decisiva dos novos meios tecnológicos como via para a obtenção destes fins é essencial.
Neste contexto, promover-se-á a utilização intensiva das novas tecnologias nos serviços de Justiça, como forma de assegurar serviços mais rápidos e eficazes e uma gestão dos tribunais que permita, desde o início de cada processo, planear a afectação de recursos humanos e controlar a satisfação de objectivos fixados. Este objectivo será prosseguido, designadamente, através de uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais, acompanhada de programas de formação abertos a todos os utilizadores do sistema.
Desenvolver-se-á o Portal da Justiça na Internet, permitindo-se o acesso ao processo judicial digital e a serviços on-line que incluam a consulta e a prática da generalidade dos actos de registo e notariais e disponibilizando-se o acesso ao Diário da República e a bases de dados jurídicas.
A rede informática do Ministério da Justiça será usada para os serviços comunicarem através de videoconferência e, por exemplo, da tecnologia Voz sobre IP, tornando-se assim as comunicações mais eficientes e reduzindo-se os custos.
5. Qualificar a resposta judicial
Para o Governo, a melhoria da resposta judicial é uma prioridade que passa por medidas de descongestionamento processual eficazes, pela garantia do acesso dos cidadãos ao sistema judicial, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 20º da Constituição, pela gestão racional dos recursos humanos e materiais do sistema judicial e pela valorização da formação e das carreiras dos profissionais da Justiça.
Para conseguir o descongestionamento processual, serão adoptadas medidas de racionalização, permitindo-se que, por um lado, o sistema de Justiça assegure uma resposta efectiva para a litigância de massa e, por outro, o mesmo sistema garanta uma resposta real para os utilizadores pontuais.
Será ainda criado um novo dispositivo para a resolução rápida de conflitos de competência entre os tribunais, procedendo-se designadamente à modernização da legislação sobre o Tribunal de Conflitos.
Será também avaliada a implementação da Reforma da Acção Executiva, identificando-se os estrangulamentos existentes e promovendo-se a sua remoção.
Proceder-se-á, ainda, à actualização do valor das alçadas, ao aumento das custas dos recursos nos casos de interposição abusiva e à reformulação do regime de recursos, de forma a reservar aos tribunais supremos o papel essencial de orientação da jurisprudência.
No sentido de garantir o acesso à Justiça, facultar-se-á aos cidadãos a informação relevante, incluindo o Diário da República e as bases de dados jurídicas, e será realizada uma monitorização do sistema de acesso ao Direito e apoio judiciário para assegurar a qualidade dos serviços, impedir abusos e garantir que o seu âmbito corresponde às necessidades sociais efectivas. A informação a facultar ao cidadão num Estado de Direito Democrático exige, igualmente, a adopção de medidas que tornem o funcionamento dos Tribunais mais transparente, nomeadamente através da utilização das novas tecnologias.
A gestão racional do sistema judicial requer o ajustamento do mapa judiciário ao movimento processual, a adopção de um modelo de gestão assente na valorização do presidente e do administrador do tribunal e a reavaliação do período de funcionamento dos tribunais. Igualmente, o melhoramento da organização e funcionamento dos conselhos superiores das magistraturas tornam-se necessários para o exercício efectivo das respectivas competências.
Constituem medidas a destacar neste domínio: a agilização dos mecanismos de gestão de recursos humanos, designadamente através da possibilidade de colocação de magistrados e oficiais de justiça em tribunais que se insiram numa determinada área geográfica; a consagração do princípio da carreira plana dos magistrados judiciais e do Ministério Público, permitindo uma progressão profissional não condicionada pelo grau hierárquico dos tribunais e conferindo maior liberdade de escolha dos magistrados segundo critérios de competência e vocação profissional; e a formação específica nas áreas da gestão do tribunal e da movimentação processual para combater a morosidade e a pendência.
Para valorizar e dignificar as carreiras, deve promover-se a diversidade de competências dos candidatos a magistrado e melhorar-se o modelo de formação inicial e permanente, em articulação com a formação de advogados e de outras profissões jurídicas. Também neste sentido, devem ser aperfeiçoadas as formas de acompanhamento e avaliação do desempenho dos magistrados, valorizando a qualificação, o mérito e a transparência na evolução profissional, nomeadamente no acesso aos tribunais superiores.
O Governo incentivará, ainda, a articulação entre as universidades e as instituições responsáveis pela formação dos profissionais da Justiça, fomentando, nomeadamente, o desenvolvimento de projectos adequados a melhorar o funcionamento do sistema judicial.
6. Tornar mais eficaz o combate ao crime e a justiça penal, respeitando as garantias de defesa
O Governo pressupõe que uma melhoria na eficácia do combate ao crime passa, também, pela adopção de políticas orientadas para os factores da criminalidade, devendo preferir-se a reintegração à exclusão, mas entende que é fundamental garantir os meios de investigação e repressão adequados. Por outro lado, considera que o aumento da eficácia não pode prejudicar as garantias de defesa consagradas constitucionalmente e próprias do Estado de direito democrático.
No plano da política criminal, a Assembleia da República, sob iniciativa do Governo, passará a prever periodicamente, de forma geral e abstracta, as prioridades da política de investigação criminal, bem como as responsabilidades de execução dessa política, nomeadamente no que respeita ao Ministério Público, com base num novo quadro legislativo específico de desenvolvimento do artigo 219.º da Constituição.
Em sede de revisão do Código de Processo Penal, devem ser precisadas as competências dos sujeitos e participantes processuais (juízes, magistrados do Ministério Público, advogados e órgãos de polícia criminal) na investigação e garantia dos direitos de vítimas e arguidos e clarificados, designadamente, os regimes do segredo de justiça, das escutas telefónicas e da prisão preventiva, de modo a torná-los inequivocamente congruentes com os princípios e normas constitucionais. Serão também reforçadas as medidas de coacção alternativas à prisão preventiva, intensificando-se o recurso aos meios de vigilância electrónica. Por outro lado, será aperfeiçoado o ajustamento do processo penal à diferente natureza e complexidade da criminalidade.
Para melhorar a investigação criminal, será aperfeiçoado o Sistema Integrado de Informação Criminal e serão estabelecidas as inter-conexões entre bases de dados públicas que se revelem adequadas. Além disso, será criada uma base geral de dados genéticos para fins de identificação civil, que servirá igualmente fins de investigação criminal (assegurando-se que a respectiva custódia não competirá a órgão de polícia criminal). Serão ainda reforçados os meios e programas de prevenção e combate à criminalidade organizada, à corrupção e à criminalidade económico-financeira em geral, com especial destaque para a luta contra o terrorismo e os tráficos de droga, seres humanos e armas.
Para promover a ressocialização dos agentes de crimes e uma defesa social eficaz, preconiza-se uma maior amplitude na aplicação de penas alternativas à pena de prisão, privilegiando-se, nomeadamente, a aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade, e a alteração do modelo de execução de penas, acolhendo-se as necessidades de reinserção social e familiar e de integração no mercado de trabalho dos condenados. Importa, também, melhorar os serviços prisionais, incluindo em matéria de quantidade e qualidade das instalações e dos serviços nelas prestados, reforçando a prevenção e o tratamento da toxicodependência e de outras doenças graves frequentes entre os reclusos, efectuando os enquadramentos legislativos que se revelem necessários.
Para melhorar o apoio às vítimas e crianças em risco e desenvolver mecanismos de justiça restauradora, serão reforçadas as parcerias, introduzidos programas de mediação vítima-infractor, instituicionalizando um Fundo de Garantia, Apoio e Assistência à Vítima.
7. Responsabilizar o Estado e as pessoas colectivas públicas
O Governo assume que um pilar fundamental do sistema de Justiça assenta na responsabilização das funções político-legislativa e administrativa, devendo adoptar-se um conjunto de medidas que permitam clarificar a relação de responsabilidade com o cidadão e a empresa e responsabilizar os decisores pelos seus actos.
Entre tais medidas destacam-se a realização de exercícios de planeamento de médio e longo prazo sobre a evolução das redes de tribunais, prisões, conservatórias e outros serviços de Justiça, o desenvolvimento de instrumentos de auditoria e avaliação externa do funcionamento do sistema judicial e a instituição de metodologias e práticas de avaliação legislativa, de forma a poder prever o efeito das soluções legais.
A curto prazo, é necessário acompanhar e avaliar a recente reforma do contencioso administrativo, de modo a garantir a sua eficácia na fiscalização da Administração Pública e na indução de melhores práticas, e adaptar os Códigos de Procedimento Administrativo e de Procedimento e Processo Tributário a essa reforma.
Preconiza-se, também, a reformulação dos critérios de fixação das custas, fazendo corresponder o seu montante ao valor efectivo do serviço prestado. Em consonância com este princípio, será reduzido o valor das custas, dos emolumentos e de outras taxas nos serviços de Justiça quando o utilizador se relacione com esses serviços através dos processos digitais à sua disposição e será aumentado esse valor nos casos de recurso abusivo aos tribunais.
Por outro lado, será avaliada a possibilidade de realização de parcerias público-privadas em vários sectores da área da Justiça, desde que isso signifique um acréscimo na melhoria dos serviços ao cidadão e às empresas ou melhor gestão e financiamento do sector da Justiça.
Será ainda consagrado um novo regime de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas públicas.
8. Reforçar a cooperação internacional
O Governo está consciente de que a Justiça cada vez mais se desenvolve no quadro da União Europeia e de que as fronteiras entre Estados tendem a esbater-se, o que requer uma cooperação estreita à escala europeia, do espaço lusófono e da comunidade internacional em geral.
Por conseguinte, é essencial adoptar e reforçar os mecanismos de cooperação jurídica e judiciária no seio do espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia, preparando as novas soluções previstas no Tratado Constitucional europeu e atribuindo prioridade à luta contra o terrorismo.
Por outro lado, serão reforçados os laços de solidariedade e a cooperação no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
O novo quadro de ameaças da criminalidade organizada e do terrorismo internacional requer ainda a participação em acções concertadas de combate ao crime, envolvendo países terceiros, bem como uma participação mais activas e instituições de carácter multilateral e global.
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quinta-feira, 17 de março de 2005
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