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sábado, 29 de dezembro de 2007

Advogados à solta (II)

Por Francisco Teixeira da Mota, Advogado

O advogado fizera afirmações sobre o Ministério Público que não respeitavam os deveres de moderação e objectividade Enquanto por cá, por respeito à época e enquanto se aguarda a tomada de posse dos eleitos para os órgãos da Ordem, os advogados se remeteram ao silêncio, noutros países os advogados vão dando que falar.

No passado dia 13, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) pronunciou-se quanto às actividades, ou melhor, quanto às declarações públicas de Aldo Foglia, um advogado suíço que fora condenado disciplinarmente pela Ordem dos Advogados local.

Foglia representava um grupo de clientes de um banco que tinham visto as suas contas reduzidas a zero num caso de desvio de dinheiros efectuado por um banqueiro que aparecera morto em que o Ministério Público se decidiu pelo arquivamento do processo contra terceiros, que tivessem colaborado ou de qualquer forma ajudado o desvio de 60 milhões de francos suíços.

Para o Ministério Público não havia provas de que, fosse quem fosse, dentro do banco se tivesse apercebido ou, ainda menos, colaborado ou de qualquer forma ajudado o desvio dos 60 milhões de francos suíços efectuado pelo banqueiro egoísta. Isto apesar de, por exemplo, parte substancial do dinheiro desviado ter passado por um clube de futebol local onde era membro dos órgãos sociais um director do banco em causa.

Foglia interpôs recurso dessa decisão e, entretanto, falou à imprensa. E disse que o inquérito conduzido pelo procurador Stauffer era "apressado e superficial", justificando-o com o exemplo atrás referido. Foglia falou mais do que uma vez à imprensa sobre o assunto, referindo, por exemplo, que "era difícil acreditar que ninguém (dentro do banco) soubesse o que se estava a passar" e deu também uma entrevista à televisão.

O banco não gostou e intentou uma acção judicial para ser indemnizado pelos danos à imagem que lhe tinham sido causados com as declarações de Foglia, mas veio a desistir da mesma. Já o processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Advogados foi até ao fim com a condenação de Foglia numa multa de 1500 francos suíços (1024 euros, na altura). Decisão confirmada pelos tribunais suíços e que levou Foglia até Estrasburgo queixar-se de ter sido violada a sua liberdade de expressão.

Para a Ordem dos Advogados, tal como para os tribunais suíços, Foglia tinha violado diversos deveres como advogado: tinha promovido um processo mediático sobre o caso do desvio de fundo, fizera afirmações sobre o Ministério Público que não tinham respeitado os deveres de moderação e objectividade, pronunciara-se em público sobre um processo pendente, o que poderia influenciar os juízes, atentara contra a dignidade da profissão e, ainda, obtivera publicidade. E a defesa dos interesses do cliente ou do interesse público não justificavam tais afirmações. Por tudo isto devia ser punido.

O TEDH, no entanto, não entendeu como justificada a punição de Foglia, mesmo que simbólica, por considerar que a liberdade de expressão consagrada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem protegia as suas palavras.

Para o TEDH, o carácter mediático do processo antecedia as declarações de Foglia, que surgiam num contexto em que o descontentamento dos seus clientes era manifesto. As suas declarações continham críticas que não eram dirigidas contra as qualidades pessoais e profissionais da pessoa do Ministério Público mas sim contra a forma como tinha desempenhado as funções de procurador naquele processo. Para o TEDH, tais declarações, embora podendo denotar uma certa falta de consideração pelas entidades que investigaram o processo, não podiam ser qualificadas como graves ou injuriosas. E, assim, o TEDH reconheceu ter havido uma violação do art.º 10.º da CEDH, que consagra a liberdade de expressão, e condenou o Estado suíço a devolver a Foglia os 1024 euros e ainda mais 1990 euros de despesas.

Mas os advogados nem sempre querem falar. Às vezes querem mesmo que não falem... deles, como foi o caso do advogado norte-americano John Henry Browne, que intentou uma acção contra a AVVO, Inc. no tribunal de Seattle. Pretendia o advogado que a empresa AVVO deixasse de publicar na Internet uma página com classificação (ratings) de advogados em que ele aparecia com uma classificação de 5.5 em 10 e o indemnizasse pelo mal causado.

Nos EUA, é assim: há lugares com classificações de advogados quanto às suas qualidades profissionais e de especialização. Tais classificações, como o juiz Robert Lasnik lembrou no passado dia 18, estão protegidas pela liberdade de expressão consagrada na Primeira Emenda constitucional.

Para este juiz, o advogado não tinha qualquer razão porque a classificação feita pela AVVO era uma classificação subjectiva, uma opinião, embora baseada em critérios variados e subjectivos: qual o valor a dar ao número de anos de experiência profissional? Ou ao facto de se ter ou não processos disciplinares na Ordem?

Por isso mesmo, porque tais classificações nunca poderiam ser tomadas como afirmações de factos verdadeiros mas como meras classificações da AVVO e nada mais, entendeu o tribunal não ter qualquer sentido a pretensão do advogado Browne de pretender silenciar a AVVO. Mesmo que as classificações da AVVO tivessem coisas tão surpreendentes como o facto de um juiz do Supremo Tribunal federal ter uma classificação inferior ao do advogado da AVVO, como lembrou o juiz Lasnik na sentença...

Também tem a data de 18 de Dezembro um acórdão do Nono Circuito, que vem, pela primeira vez em sede de recursos federais, admitir que a lei do ADN, que obriga todos os condenados criminais a entregarem uma amostra do seu ADN, levanta problemas de legalidade no seu confronto com a Lei da Restauração da Liberdade Religiosa, que proíbe o Governo de interferir com direitos religiosos. Até hoje esta legislação tem sido sucessivamente considerada constitucional mas, agora, abre-se o debate sobre a sua legalidade tendo em conta a liberdade religiosa. À atenção dos canonistas.