DO MUNDO DA JUSTIÇA
Francisco Teixeira da Mota
Na cobertura da actual campanha eleitoral autárquica, já são um must, na nossa comunicação social, as peças jornalísticas respeitantes aos candidatos arguidos. Em Amarante, com a candidatura de Avelino Ferreira Torres, as "revelações" ou "acusações" quanto à actuação deste autarca, têm-se sucedido. As eleições em Oeiras, com a candidatura independente de Isaltino Morais, também são acompanhadas com particular interesse, tendo em conta o, pelo menos, extremamente moroso, processo em que está envolvido. Em Gondomar, o presidente da Câmara Valentim Loureiro, já foi notícia de uma acusação do Ministério Público no processo "Apito Dourado" que afinal parece não existir. E Felgueiras, com a candidatura do outro lado do Atlântico em marcha, tem garantido o interesse dos meios de comunicação social. Para além disso, as declarações do vice-presidente da câmara do Porto, Paulo Morais, repetindo, com um saber de conhecimento "in loco", aquilo que o jurista Saldanha Sanches e outros têm vindo a dizer: as relações entre o poder político, nomeadamente autárquico, e os interesses económicos, nomeadamente os da construção civil, não são nada saudáveis.
Aguarda-se, agora, que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, tão lesta em ameaçar a Saldanha Sanches com processo judiciais, também se pronuncie, com acutilância, sobre as declarações de Paulo Morais...
Esta relação cada vez mais "íntima" do mundo da justiça com o mundo da política, não se manifesta só neste casos criminais, mais "apelativos" mediaticamente. A solicitação aos tribunais para que resolvam questões determinantes da vida política assume outros aspectos, como é o caso de Felgueiras, onde a candidato apresentado pelo Partido Socialista e a comissão política concelhia, se têm digladiado nos tribunais sobre a legitimidade da candidatura. Em que medida o Estado, através das leis e dos tribunais, deve regulamentar e "interferir" na vida dos partidos políticos, é uma questão nunca resolvida definitivamente.
A questão, por exemplo, de se saber se era constitucional a imposição legal de, as eleições dentro dos partidos, se realizarem por sufrágio pessoal e secreto foi muito polémica. A decisão pelo Tribunal Constitucional, em Junho de 2003, no sentido da sua constitucionalidade, teve quatro votos de vencido, por considerarem, os juízes conselheiros que os subscreveram, que tal imposição se traduziu numa excessiva ingerência na autonomia da organização e do funcionamento dos partidos.
A eventual ilegalidade da recolha de fundos pelo PCP através da "Festa do Avante!" em virtude de a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos determinar que as receitas de angariação de fundos não podem exceder anualmente, por partido, 1500 salários mínimos mensais nacionais, sendo registadas em termos contabilísticos precisos. Parece que uma restrição deste tipo, face à realidade que é a "Festa do Avante!", uma espécie de tradição como a "Festa de Barrancos", constitui uma prática democraticamente discriminatória, reduzindo intencionalmente e injustificadamente as receitas legalmente admissíveis de um partido.
Mais importante será discutir-se na "arena pública" e investigarem-se na área judicial as relações entre os partidos, as autarquias e os interesses económicos diversos, "denunciadas" por Paulo Morais. Aí se indiciam situações de financiamento ilegal através de favorecimentos diversos, sem prejuízo de se admitir, como o afirmou o vice-presidente da Câmara do Porto, que o caso será "mais de política do que polícia". Estamos numa área, na vida democrática, em que é essencial em que o que seja de "polícia" seja devidamente esclarecido
Ora este "caso" das declarações de Paulo Morais parece, exactamente, ser paradigmático na forma como não devia ser abordado pelo sistema judicial: o semanário Expresso transcrevia, ontem, declarações do procurador distrital do Porto, Alípio Ribeiro, em que este afirmava " a audição do vereador Paulo Morais (em Lisboa, no DCIAP - Departamento Central de Investigação e Acção penal) afigura-se-me precipitada, por não ter sido enquadrada com outros elementos eventualmente em investigação". Sendo desagradável que estas palavras venham a público apontando deficiências logo no início da investigação criminal, são as mesmas necessárias para se procure uma maior eficácia na investigação que conduza a mais arquivamentos e a mais condenações e a menos absolvições.
A criminalidade económica, que vai ser objecto de um importante seminário internacional, no final deste mês em Cascais, promovido pelo Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação (GRIEC), é um tipo de criminalidade que, no nosso país, já deixou de ser ignorada como era há uns anos atrás, pelo sistema judicial mas ainda não apresenta resultados satisfatórios. A percepção comum é a de que as investigações parecem ser deficientes, nomeadamente a nível de recolha da prova, levando a numerosas absolvições. É importante a divulgação das detenções e das apresentações a juízo e bem faz a Polícia Judiciária nos seus comunicados sobre a actividade dos incendiários, em divulgar o elevado número de cidadãos já constituídos arguidos, desde o início do ano, pelo crime de fogo posto. Mas mais importante, seria sabermos como terminarão esses casos. Quantos arquivamentos? Quantas absolvições, Quantas condenações? E, mais, quanto tempo demoraram até serem julgados definitivamente?
Para além dos "foguetes" da redução das férias judiciais, seria importante trabalhar para se instituir um sistema, seguramente viável através da informática, de controlo social ou, pelo menos, judiciário do movimento dos processos judiciais, sem prejuízo do respeito da presunção da inocência e da reserva da vida privada dos cidadãos.
Iraque
A aplicação da pena de morte a três cidadãos pelo sistema judicial iraquiano é a prova de que, lenta mas seguramente, as instituições da democracia estão a ganhar raízes naquele país...
George W. Bush, que, como governador, transformou o Texas na capital das penas de morte nos EUA, não poderá deixar de se regozijar com esta aplicação da justiça. Provavelmente, uma das poucas coisas com que se pode regozijar quanto ao Iraque...
ADVOGADO
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domingo, 4 de setembro de 2005
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