Rede Eléctrica Nacional - Regulamento - Despacho normativo - Inconstitucionalidade - Validade - Lei habilitante - Princípio da primariedade da lei - Princípio da preferência da lei - Governo de gestão - Anulabilidade.
1.ª O modelo organizativo do sector da energia eléctrica em Portugal, originariamente instituído pelos Decretos-Leis n.os 182/95 a 188/95, todos de 27 de Julho, assenta na existência de um Sistema Eléctrico Nacional (SEN), que se desdobra no Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP) e no Sistema Eléctrico Independente (SEI).
2.ª Especificamente sobre a recepção e entrega de energia eléctrica proveniente de centros electroprodutores do SEI nas redes do SEP, rege o Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro - diploma que regula o procedimento de atribuição de pontos de recepção de energia eléctrica a promotores privados, nos seus artigos 10.º a 14.º, cabendo a respectiva decisão à Direcção-Geral de Geologia e Energia (DGGE).
3.ª Para a eventualidade de a capacidade de recepção das redes do SEP não ser suficiente para atender a todos os pedidos de recepção, deve a DGGE proceder à selecção desses pedidos para efeitos de atribuição da capacidade disponível, de acordo com os critérios de selecção estabelecidos no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 312/2001.
4.ª O despacho n.º 53-A/XVI/2005, de 9 de Fevereiro, do Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico do XVI Governo Constitucional - no qual se estabelecem novos critérios de atribuição dos referidos pontos de recepção de energia eléctrica, por se entender que os critérios do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 312/2001 não oferecem "base de selecção bastante" -, reveste natureza regulamentar, na medida em que se mostra possível a sua aplicação a um leque indeterminado de entidades e casos e, apesar de dirigido ao director-geral de Geologia e Energia, tem repercussão externa na posição dos interessados, porquanto é susceptível de condicionar decisivamente qualquer concreto acto de atribuição.
5.ª O princípio da primariedade ou precedência da lei, consagrado no n.º 7 do artigo 112.º da Constituição, estabelece a exigência da habilitação legal dos regulamentos e o dever de citação da lei habilitante por parte de todos os regulamentos.
6.ª O princípio da preferência ou preeminência da lei, afirmado no n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, não permite que os regulamentos contrariem actos legislativos ou equiparados, proibindo os regulamentos interpretativos, modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis.
7.ª De acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 186.º da Constituição, o Governo em funções após a sua demissão fica sujeito a um regime jurídico especial, caracterizado por uma substancial limitação da sua capacidade, resultante da demissão e do consequente défice de legitimação, apenas podendo praticar validamente os actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos - sendo que essa estrita necessidade corresponde a uma urgência concreta e datada, traduzida na premência de praticar um certo acto, cujo adiamento comprometeria gravemente a realização do interesse público.
8.ª O referido despacho n.º 53-A/XVI/2005, de 9 de Fevereiro, do Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, quer por carência de habilitação legal quer por falta de individualização da lei habilitante, violou o princípio da primariedade ou precedência da lei - o que o fere de inconstitucionalidade.
9.ª Esse mesmo despacho, ao pretender modificar o regime legal de atribuição de pontos de recepção de energia eléctrica, no que toca aos critérios de atribuição, violou o princípio da preferência ou preeminência da lei - sendo, também por essa razão, um regulamento inconstitucional.
10.ª Tal despacho não foi editado no respeito das condições estabelecidas no n.º 5 do artigo 186.º da Constituição, e acima enunciadas, pelo que viola esse preceito - enfermando, igualmente por isso, de inconstitucionalidade.
11.ª O mencionado despacho n.º 53-A/XVI/2005, ao adoptar novos critérios de selecção dos pedidos para atribuição de pontos de recepção de energia eléctrica em momento posterior ao da apresentação de propostas de interessados, configura uma clara violação dos princípios da igualdade, da transparência e da publicidade, acolhidos no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 312/2001, aplicável ao respectivo procedimento ex vi do artigo 13.º, n.º 2, do mesmo diploma, pelo que incorre ainda em ilegalidade, por violação de lei.
12.ª O subsequente despacho do director-geral de Geologia e Energia (DGGE), em que este procede à concreta atribuição de pontos de recepção de energia eléctrica, com base nos critérios extralegais fixados por aquele despacho governamental, enferma igualmente de ilegalidade, por violação de lei - vício que, por si só, é gerador de anulabilidade.
13.ª Esse despacho do DGGE, na medida em que não foi precedido da audiência dos interessados, nos termos do disposto nos artigos 100.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, sofre ainda de um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial - o que também gera anulabilidade.
José Adriano Machado Souto de Moura - Mário António Mendes Serrano (relator) - Maria Fernanda dos Santos Maçãs - Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol - Maria de Fátima da Graça Carvalho - Manuel Pereira Augusto de Matos - José António Barreto Nunes - Paulo Armínio de Oliveira e Sá - Alberto Esteves Remédio - João Manuel da Silva Miguel.
Este parecer foi votado em sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 30 de Junho de 2005 e foi homologado por despacho do Ministro da Economia e da Inovação de 25 de Julho de 2005.